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Um passeio com Sócrates no Shopping

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Estava esses dias navegando no blog da minha querida Airan Borges (http://hmuitomais.blogspot.com) e me deparei com um texto fantástico. A autoria é de Frei Beto, um frade dominicano e que também é escritor. Vocês poderão conferir o texto dele na íntegra aqui. Mas por enquanto, deixo os senhores com alguns trechos que me deixaram bastante reflexiva quanto ao que consideramos importante em nossas vidas.


PASSEIO SOCRÁTICO
Frei Betto
       (...) Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. (...) Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não  tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em  relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
(...) A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito.  Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada  semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é  o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este  tênis,­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é  que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? (...) Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele  não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si  mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento  globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita  uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história  daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média,  as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil,  constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping  centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas;  neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de  missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito,  entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar,  certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro  comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser  feliz.”
Li esse texto e fiquei refletindo sobre as sábias palavras do Frei. É verdade. Damos tanta atenção a coisas tão fúteis.
Quando resolvi escrever sobre Moda, sempre pensei que, embora eu tivesse gostos e desejos sobre os objetos que aqui mostro, eu  jamais desejei me reduzir só a isso. Implica dizer: eu não acredito que por não possuir nem 10% do que eu posto aqui eu seja infeliz.
O texto do Frei é profundo e toca em outros pontos tão relevantes quanto: a necessidade de se construir super-pessoas, o quanto damos atenção a uma virtualidade esquecendo do mundo real, o quanto coisificamos e medimos nossa felicidade pelo que temos e não pelo que somos. Isso pode parecer um pouco de auto-ajuda, é verdade. Mas acaba sendo exatamente o que vivenciamos, dia após dia.
Como eu disse, não tenho metade das coisas que posto aqui. Itens Chanel, sapatos caríssimos, vestidos... Quase nada. Mas nunca achei que, por não tê-los, eu era menos que alguém. Ao contrário! O fato de não-tê-los não me torna escrava deles. Me faz refletir sobre a necessidade, a função e o sentido que aquele item tem.
Pode soar hipócrita. Vivemos numa sociedade e eu estou imersa nela. Como diría Aristóteles, o homemque vive separado da comunidade ou é um deus ou um selvagem. E se vivo numa sociedade consumista, é óbvio, terei desejos consumistas. Sou vaidosa, tenho um estilo e tudo aquilo que me agrada em termos de Moda faz com que eu deseje ter. Gosto de me vestir bem, de usar bons produtos, de poder criar uma estética só minha. E isso implica em ter desejos de consumo. A questão repousa, contudo, no quanto eu encaro isso como forma de me tornar feliz. Quero ter um Chanel nº5? Adoraria. Não tê-lo me faz sentir menos feliz ou perdedora diante dos que podem ter? Não. E esse é o ponto de inflexão que muitos se perdem. As pessoas se perdem em acumular mais e mais bens e não acumulam família, amigos, momentos simples... Condicionam o ter ao ser feliz. 
Achei interessantíssima a sugestão do Frei. Levar Sócrates para dar um passeio no shopping. É a forma de percebermos que podemos resistir a tudo isso.


Fica a dica! =)

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