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Algumas palavras sobre cursos de Moda

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Esse post vem no sentido de materializar  alguns questionamentos e mesmo reflexões que ando tendo sobre cursos e a própria formação em Moda.

Não é novidade para ninguém o boom que essa área sofreu. Acho que o incremento desse interesse veio com a maior cobertura das semanas de Moda, o crescimento dos blogs, das redes sociais (que agilizaram a divulgação de informações sobre Moda) e mesmo o aumento da oferta de cursos superiores, pós-graduação e técnicos. Uma confluência de fatores que fizeram da Moda uma nicho interessante para tentar carreira.

Atualmente, algumas das personalidades que mais admiro são da área de Moda: Karl Lagerfeld, Glória Kalil, Constanza Pascolato, Lilan Pacce, Anna Wintour... Mas quantos destes você acha que possuem alguma formação em Moda?

Karl Lagerfeld, Lilian Pacce e Constanza, sim. Mas Glória Kalil e Anna Wintour... NÃO. Glória Kalil é jornalista e empresária. Ana Wintour idem e é a toda poderosa da Vogue. Outros nomes da área, como Erika Palomino, Regina Martelli, Regina Guerreiro e Cristina Franco são, também, jornalistas. Muitas delas escrevem para revistas de Moda, são consultoras, dão palestras e, eventualmente, possuem cursos de especialização na área.

Vc precisa estudar MUITO para ser um décimo do que ela é... E não  é lendo blogs...

Bom, o que eu quero dizer com tudo isso? Que não há, necessariamente, a exigência de uma formação em Moda para ser um BOM profissional da área.

E por que estou dizendo isso?

Bom, os cursos de Moda  dão, aos alunos, uma larga experiência dentro da área. Aprendem a costurar (minimamente), fazer pesquisa de Moda, planejar uma coleção, catálogos... São capazes, como ninguém, de enxergar tendências, dar sentido a uma estética. Conhecem tecidos, acessórios, sabem combiná-los. Mas daí eu lanço a pergunta: quantos tem um entendimento humanístico disso?

Olhei a grade de matérias de faculdades de Moda brasileiras e praticamente não vi disciplinas de Filosofia, Antropologia, Sociologia, obviamente voltados para a Moda. Mal possuem um curso de História da Moda/Vestuário. O resultado, me parece, é um monte de jovens que saem com uma rica formação técnica, mas pobres em conteúdo. Eles não entendem a importância da carreira de Moda, que vai muito além de fazer roupas ou ser consultor de estilo de alguém. Se graduar em Moda é entender a função que a própria roupa exerce em nossa sociedade. Saber que a escolha que temos sobre algum traje está imerso em motivações culturais, tem ligação com a nossa instrução, nossa História, nossa relação com as mídias, com a velocidade com que a informação chega. Nada é gratuito.

Eu vivo dizendo que o dia que a UFRJ tiver faculdade de Moda, que eu irei cursar. Gosto da UFRJ, me graduei em História lá. Seria como retornar à casa para uma nova investida. Mas ao mesmo tempo, tenho um grande receio pois essa carência de  formação humanística me afeta muito. Entro em blogs onde as meninas sabem as últimas tendências de outono-inverno, mas não sabem escrever! Pior: não gostam de ler! Se resumem a Vogue e Elle e alguns blogs mais descoladinhos. Isso é triste. 


Hoje em dia qualquer um escreve sobre Moda (vide a pessoa que vos fala!). É tão fácil ter um blog, um tumblr, twitter ou qualquer coisa do tipo para divulgar informações sobre a área. E eu penso que essa é a prova máxima dessa "facilidade" em trabalhar/escrever nesta área. Digo entre aspas porque é tanto acesso à informação, que a sua vulgarização cria verdadeiros desserviços. O bom conteúdo, aquele que gera reflexão, é muito raro. E quem gera essa boa informação são justamente pessoas já consagradas na área de Moda, jornalistas (com uma formação, por si só, rica em termos de conteúdo) e todos aqueles com mínimas leituras sobre a área. E nesse terceiro grupo entram alguns blogueiros que saíram do anonimato justamente por sua rica cultura, não resumida as revistas do mês. 


O que a muitas pessoas não sabem é que mesmo para esses autores de blogs que se sobressaem e sentam nas famigeradas primeiras filas dos desfiles, ainda que devam ter, evidentemente, um senso de Moda, eles entendem o valor daquilo para a sociedade. Não reproduzem somente. Pensam sobre. Ok, algumas celeb são exceção. Mas quem nega que a Tavi sabe direitinho a importância da Moda nos dias de hoje? E para uma adolescente da idade dela, sua cultura está muito acima. Daí que não seja só o refinamento do seu gosto estético, mas suas opiniões e  analogias,  frutos somente de quem possui, minimamente, leituras.

Eles não estão lá por acaso, acredite.
Recentemente fui avaliada numa disciplina na minha pós-graduação. Uma colega de turma leu meu projeto (que é da área de História da Vestimenta)  e comentou: Fiquei feliz ao ler seu projeto. Você tem leituras que um aluno de Moda não tem. Na hora eu fiquei super feliz com o comentário. Foi parte de um esforço de entender o mundo e a teoria de Moda pelas palavras daqueles que eram da área. Mas tinha muitos historiadores, filósofos e sociólogos também na bibliografia. Gente que produziu livros belíssimos, abordando diferentes períodos, focos, questionamentos e todos interessantíssimos para qualquer estudante que se debruce sobre a temática, seja efetivamente da área de Moda ou não.

Daí, bateu a tristeza. Quantos desses blogueiros, estudantes de Moda e etc já leram Anna Holander? João Braga? Carl Kohler? James Laver? E a lista não para. Roland Barthes, Gilles Lipovetsky, Daniel Roche,  Gilda de Mello Souza, Daniela Calanca, Lars Svendesen, Renata Cidreira, Alexandre Bergamo... Para citar os principais. Autores que se interessaram pela temática de Moda em distintos momentos e com diferenciadas motivações. Leituras INDISPENSÁVEIS para aqueles que pretendem se arvorar do título de "graduados" em Moda.

É onde entra aquela minha perguntinha do início do post sobre quantas personalidades da área de Moda, efetivamente, são formados nela. Esses caras não precisaram ter um diploma para poderem escrever,  comentar, produzir um conhecimentos sobre Moda. O segredo está na sua riquíssima experiência de família (muitos já trabalhavam com Moda antes de serem conhecidos). Mas arrisco dizer que está, também, em suas leituras. Muitos são jornalistas formados. Leram e leem MUITO para poderem escrever. E tenho certeza de que muitos deles conhecem, pelo menos, 70% dos autores que listei e saberiam nomear mais tantos outros que eu ainda necessito conhecer. Longe de mim achar que já sou uma grande mestre no tema.

A Moda pela Moda, ou seja, a análise das tendências de passarela por si, nada dizem. O que isso reflete em nossas vidas, gostos? Por que o estilo militar voltou com tudo, justamente, num momento decisivo de guerra no oriente? Por que, depois de anos de certa "sobriedade" no mundo fashion, temos o retorno do color block, das cores flúor, de um ar meio rebelde 70', que mais parece uma celebração? O que temos a celebrar? Não parece estranho para você que justamente em tempos de um discurso valorizando a sustentabilidade, o vintage, a roupa de brechó ou mesmo a reinvenção de uma mesma peça, sejam tão enaltecidos? Isso seria somente acaso? E como negar que depois de anos tentando vestir-se igual aos homens, as mulheres retornem a um guarda-roupa mais feminino, com a volta do estilo lady-like, numa quase redenção pela feminilidade perdida (será que não precisamos provar mais nada? Que papel hoje a mulher ocupa?)?

São questões e que, infelizmente, muitos desses jovens formados nem param para pensar. Mas estão aí. Também não creio que Ana Wintour, Glória Kalil ou mesmo Constanza pensem em questionamentos assim, sistematicamente. Mas tenho certeza de que sabem de sua legitimidade e que a Moda tem mais a ver com esses questionamentos do que com tendências que vem e vão. É cultura. O alcance e abrangência da Moda vão muito além de desfiles. Ela penetra no comportamento da sociedade, influencia nossas vidas cotidianas, mexe nas nossas relações com quem somos e com o quê queremos ser, comunicar. Ela é objeto de estudo e de reflexões sócio-comportamentais, antropológicas, até mesmo filosóficas. 

E não pense que essas perguntas não possuem espaço. Hoje ocorrem diversos eventos que pensam a Moda e sua implicação no mundo. O Pense Moda, por exemplo, é um evento voltado para debater o pensamento artístico na Moda. Anual, o encontro favorece um intercâmbio cultural entre profissionais da área, sejam brasileiros ou estrangeiros. Não é foco do evento falar sobre as próximas tendências, mas debater assuntos e discussões mais verticalizadas, que servirão para pensar a área, sua função e mesmo seus rumos. 


Cartaz do IV Simpósio Nacional de Moda e Tecnologia da Universidade de Caxias do Sul

Se você, caro leitor, deseja ingressar na carreira de Moda, não vou desencorajá-lo em um curso superior. Mas talvez uma graduação em História, Jornalismo, Antropologia ou mesmo em Desenho Industrial, com as possíveis especializações em Moda (Jornalismo de Moda, Consultor de Estilo e etc... para dizer os principais) seriam passos mais interessantes. De nada vai adiantar saber tanto de técnica, se você não tem conteúdo. Se, contudo, optar pelo curso de Moda, estude. Estude muito. E leia muito. Tudo ou quase tudo que sair sobre sua área. A informação com embasamento é que torna a Moda séria e não um nicho de "garotinhas histéricas" sem menor profundidade no que falam ou escrevem. Karl Lagerfeld não elabora UMA coleção sem ler muito sobre o futuro tema do desfile. São dos livros e obras de arte que ele tira sua inspiração.


Como diz a Janaína, do Agora que sou Rica: "Vamos conversar mais sobre o que a gente pensa e menos sobre o que a gente veste, tá?" Acho que essa discussão vai muito nisso.

Fica a dica! =) 

2 comentários:

Anônimo disse...

Caramba!!!!!!!!!! Minha visão sobre moda mudou depois de ler o seu blog hj!!!!!!!! Muito bom!!! Seus comentários e a segurança no assunto me lembraram Miranda Priestly dando um fora na Andrea Sachs sobre a função, mais ainda a importancia da moda dentro da sociedade ocidental... rs!!!!! Parabéns!!!
Ah!!!! Tô conseguindo comentar agora!!! hehehehehe

Bjinhos

Danielle

Vanessa Codeço disse...

OHH!!!!! Dani! Obrigada por seu comentário! =)
Quem dera ter o mínimo de conhecimento que a Miranda (na verdade, Anna Wintour) tem! Tenho um looooongo caminho pela frente. =)
Obrigada por prestigiar o blog.
Bjs

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Uma historiadora fã de moda, design, rock e demais excentricidades. Seja, mas seja único!

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